quinta-feira, 29 de junho de 2017

Estradas da imaginação

Mangualde. Foi a primeira colónia de férias onde estive. Para lá chegar, recordo que embarquei na estação do Entroncamento a meio da noite, num daqueles comboios a carvão e com carruagens com bancos de madeira. De casa até à estação, fui transportado pelo meu pai numa bicicleta azulada e sentado no quadro, uma posição bem incómoda. Na estação, aguardámos, numa sala de espera, a chegada do comboio que nos levaria até Mangualde. A gare fervilhava de crianças e respetivos familiares, transportando-lhes as pequenas malas com algumas roupas e farnel. Chegado o comboio e distribuídos os pequenos passageiros pelas carruagens, uns se sentaram logo e outros se debruçaram nas janelas e ali ficaram até à partida do comboio dado pelo homem da corneta, dirigindo um último olhar às pessoas de família espalhadas ao longo da plataforma. Como um gigante molengão, o comboio começou a rolar e a afastar-se rumo ao norte. À medida que avançava, aumentavam os solavancos e a fumarada saída da máquina a vapor, lambia as janelas de todas as carruagens, que devido a isso se iam fechando. O facto de não se ver nada do lado de fora, a não ser umas poucas luzes quando passávamos por alguma localidade, fez com que em pouco tempo, quase todos estivessem a dormir! O matraquear das rodas nas juntas dos carris e os solavancos das carruagens à mistura com o silvo estridente da máquina de quando em vez, ajudavam!
No primeiro dia, num edifício logo à entrada, do lado direito, tinha lugar a distribuição dos bibes e das sapatilhas brancas, de acordo com as nossas medidas. Lembro-me que adorava aquele cheiro das sapatilhas novas.
Os dias eram passados mais ou menos assim: pequeno almoço, recreio no pinhal, onde uma das diversões era levantar pedras para vermos aparecerem escorpiões, apanhar e partir pinhas sobre as rochas para vermos aparecerem os pinhões, brincar às escondidas e outros jogos. Depois, regressávamos às camaratas para nos lavarmos de onde as vigilantes nos encaminhavam  para o refeitório. Acabada a refeição vinha a parte mais chata: uma hora na cama de braços estendidos e barriga para o ar. Era o repouso. E havia castigos para os mais irrequietos que, de tão irrequietos, do castigo ainda se riam! Passado o repouso, ficávamos a brincar ali nas imediações das camaratas até ao lanche e depois do lanche a mesma coisa até ao jantar. De vez em quando aparecia um vendedor de brinquedos e os que tinham dinheiro compravam automóveis, comboios, ambulâncias, camiões com gruas, tudo de lata. Os mais pobres recorriam à imaginação e, com um canivete, tábuas de caixotes ou cortiça, construíam os seus próprios brinquedos.

Às vezes, também, conseguia iludir as vigilantes e corria até ao fundo da mata onde ficava algum tempo encostado à vedação a ver os carros  na estrada alcatroada que passava perto. E começava a imaginar se aquela estrada iria dar à Moita!!! Podia ir e não mas certo, certo, hoje a minha imaginação foi dar a Mangualde!
  

sábado, 10 de junho de 2017

Espraiar

Ainda hoje sinto
aquele cheiro do café com leite
e do pão com manteiga
que a CP oferecia
na estação do Rossio
onde fazíamos escala
rumo à Praia das maçãs!
Da colónia de férias
me vem ainda o odor
do belo macarrão com carne;
a ilusão dos brinquedos de lata
com seus cheiros de tinta
e uma sensação de frio ao tocá-los
percorrendo estradas feitas por nós
passando pontes debaixo de um pinheiro!
E, de manhã, com bibes e em fila
subíamos o elétrico
que nos ia deixar na praia até ao meio-dia.
Havia sempre neblina e o cheiro do mar!
E o medo do mar
das mãos cabeludas do marinheiro
que nos pegava e nos metia a cabeça
dentro duma onda...
Que falta de ar
naquele cheiro a sal
hoje saudade!