sábado, 20 de agosto de 2016

Passos da vida

Sobre a recente morte do grande “Senhor Atletismo”, professor Moniz Pereira, tem-me andado a bailar na ideia aquele torneio de atletismo denominado “Primeiro Passo”, que o Sporting organizava todos os anos em Outubro no antigo estádio de Alvalade e em que participavam equipas de norte a sul do país. O Sporting organizava, mas o professor era o dono da ideia. Muitos campeões dali saíram. Eu próprio poderia ter sido um deles pois, terminado o torneio de 1963, recebi um convite  que ignorei devido a problemas pessoais de vária ordem. Aliás, já a ida ao torneio foi um grande sacrifício! Tempos em que um tostão era uma fortuna! Mas, é pelo caricato dessa participação minha e de mais meia dúzia de conterrâneos, que me lembro com saudade!
Resolvemos um dia formar uma equipa e procedemos à inscrição da mesma, tendo eu  tomado a iniciativa de contatar o Sporting. A inscrição foi confirmada poucos dias depois e começámos a treinar diariamente num campo que havia ali nas imediações do que já foi a panificadora da Moita do Norte. Já muito perto da data do torneio, começámos a “coçar” a cabeça, pois lembrámo-nos de que não tínhamos equipamentos! De repente, um dos elementos do grupo, de nome Abel, que acho que era o mais esperto, perdoem-me os outros que eu também me perdoo, prometeu tratar do assunto e não tardou em aparecer com umas camisolas e uns calções brancos que tinham inscrito o nome de Sporting Clube Barquinhense. Já não recordo se a inscrição tinha sido feita em nome de Moita do Norte ou de Sporting C Barquinhense, de qualquer modo participámos e não houve problemas.
Na véspera do torneio, 2 de Outubro de 1963, havia baile no Clube União e Recreios de Moita do Norte e nós não podíamos faltar. Era uma idade em que as raparigas, bonitas e de saias curtas, davam volta às nossas cabeças. Dançavam os que sabiam dançar, bebiam e fumavam os outros pacóvios como eu ou simplesmente…controlavam as saias. Acabado o baile ou quase, decidimos que não valia a pena ir a casa. Não podíamos correr o risco de adormecer. O comboio era muito cedo e o torneio começava às nove, salvo erro. Encaminhámo-nos então, a pé, para a estação ferroviária do Entroncamento que ficava a uns 3 quilómetros, passando pelas tenebrosas “Oliveiras Grossas”.
Àquela hora, talvez 3 da madrugada, o recinto da estação era um ermo, não se via uma alma. Viam-se sim alguns comboios parados e de portas abertas. Entrámos para uma carruagem e acho que dormimos uma ou duas horas, sobre uns bancos de madeira que na altura sabiam a fofos colchões!
Eram entre as 7 e as 8 da manhã , já deambulávamos pelo jardim do Campo Grande. Lembro-me de que havia ali uma tasca chamada “Quebra-bilhas” e que lá bebemos e comemos qualquer coisa, tendo ido depois para o estádio, mesmo ali a dois passos. Não falhámos! Chegámos a tempo. Mas foi quase a cambalear, ébrios de sono, que percorremos os corredores que davam acesso aos balneários do clube dos nossos ídolos. Por nós passava um imenso e variado colorido de equipamentos de todas as equipas. A entrada na pista foi um êxtase. A bancada central, onde os sócios do Sporting assistiam aos jogos de futebol, estava repleta. Já decorriam algumas provas quando nos vimos na pista de atletismo. Estávamos ali e, curiosamente, não me lembro de ter sentido alguma espécie de nervosismo.
Cada um de nós participava em duas provas. As minhas eram o salto em comprimento e os 80 metros (para jovens não havia 100 metros). Foi esta prova de velocidade que me valeu ter recebido depois um convite do gabinete de Moniz pereira. A outra, a do salto em comprimento, teria corrido bem se, nas 3 tentativas, não tivesse pisado sempre o risco de chamada! E lá estava o recordista nacional na altura, Pedro Almeida, com a fita métrica na mão a piscar-me o olho e a encolher os ombros num simpático gesto de conforto. Lembro-me quanto aos outros que o Manuel Esperança e o Abel também se portaram muito bem, mas estes noutras provas. O único que desistiu foi o Pinho que deveria correr, salvo erro, os 5000 metros ou algo assim e foi bastante engraçado: Depois de dar uma volta à pista, atira-se para o relvado e diz: “Corram vocês!!!”

Bom, mas para quem esteve num baile, dormiu na estação e quase não comeu, fomos uma espécie de “Viriatos”!

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