Mangualde. Foi a primeira colónia de
férias onde estive. Para lá chegar, recordo que embarquei na
estação do Entroncamento a meio da noite, num daqueles comboios a
carvão e com carruagens com bancos de madeira. De casa até à
estação, fui transportado pelo meu pai numa bicicleta azulada e
sentado no quadro, uma posição bem incómoda. Na estação,
aguardámos, numa sala de espera, a chegada do comboio que nos
levaria até Mangualde. A gare fervilhava de crianças e respetivos
familiares, transportando-lhes as pequenas malas com algumas roupas e
farnel. Chegado o comboio e distribuídos os pequenos passageiros pelas carruagens, uns se
sentaram logo e outros se debruçaram nas janelas e ali ficaram até à partida do comboio dado pelo homem da corneta, dirigindo um último
olhar às pessoas de família espalhadas ao longo da plataforma. Como um gigante molengão, o comboio
começou a rolar e a afastar-se rumo ao norte. À medida que
avançava, aumentavam os solavancos e a fumarada saída da máquina a
vapor, lambia as janelas de todas as carruagens, que devido a isso se
iam fechando. O facto de não se ver nada do lado de fora, a não ser
umas poucas luzes quando passávamos por alguma localidade, fez com
que em pouco tempo, quase todos estivessem a dormir! O matraquear
das rodas nas juntas dos carris e os solavancos das carruagens à
mistura com o silvo estridente da máquina de quando em vez,
ajudavam!
No primeiro dia, num edifício logo à
entrada, do lado direito, tinha lugar a distribuição dos bibes e
das sapatilhas brancas, de acordo com as nossas medidas. Lembro-me
que adorava aquele cheiro das sapatilhas novas.
Os dias eram passados mais ou menos
assim: pequeno almoço, recreio no pinhal, onde uma das diversões
era levantar pedras para vermos aparecerem escorpiões, apanhar e
partir pinhas sobre as rochas para vermos aparecerem os pinhões,
brincar às escondidas e outros jogos. Depois, regressávamos às
camaratas para nos lavarmos de onde as vigilantes nos encaminhavam para o refeitório. Acabada a refeição vinha a parte mais chata: uma hora na cama de braços
estendidos e barriga para o ar. Era o repouso. E havia castigos para
os mais irrequietos que, de tão irrequietos, do castigo ainda se riam!
Passado o repouso, ficávamos a brincar ali nas imediações das
camaratas até ao lanche e depois do lanche a mesma coisa até ao
jantar. De vez em quando aparecia um vendedor de brinquedos e os que
tinham dinheiro compravam automóveis, comboios, ambulâncias,
camiões com gruas, tudo de lata. Os mais pobres recorriam à
imaginação e, com um canivete, tábuas de caixotes ou cortiça, construíam os seus próprios
brinquedos.
Às vezes, também, conseguia iludir as
vigilantes e corria até ao fundo da mata onde ficava algum tempo encostado à vedação a
ver os carros na estrada alcatroada que passava
perto. E começava a imaginar se aquela estrada iria dar
à Moita!!! Podia ir e não mas certo, certo, hoje a minha imaginação foi dar a Mangualde!